domingo, 4 de abril de 2010

Anti-Herói - Valete

Saudações a todos e todas!

Dessa vez o Ritmo e Poesia em Forma de Protesto vai além das fronteiras do Brasil e emerge no cenário não tão muito e nem tão pouco conservador da Península Ibérica, mas precisamente Portugal!

Hoje, usaremos como base para reflexão a música Anti-Herói do rapper português Valete. Valete nasceu em 1981, mas ingressa no cenário do hip hop em 1995. Hoje Valete tem dois cds gravados (Educação Visual e Serviço Público, sendo esse o segundo) e já projeta um terceiro.

Não diferente de muitos rappers, Valete começa através das rimas e vai ganhando maturidade política e musical, intensificando suas críticas e aperfeiçoando seu discurso político-musical no melhor estilo marginal, se sujeitando somente as suas vontades, ou seja, ele canta apenas o que quer, logo aquilo que precisa ser denunciado.

Entendo pouco sobre a diferença do rap underground para o gangster, mas sei que classifico as obras de Valete no maior grau de ousadia e de contudência possível, ele não se priva de falar aquilo que acredita ser necessário, ele sem dúvida é uma figura muito importante no cenário do Hip Hop Lusófono.

Toda forma de protesto é um desabafo, e nessa jóia rara do Rap Valete sintetiza muito bem os seus versos de protestos, ele é o próprio filho da revolução que ainda não acabou, influenciado por diversos guerreiros de diveros lugares que no fim lutavam pelas mesmas coisas, o direito de poder ser feliz, tendo as mesmas condições e sem ser oprimido.

"Eu cresci trancado num quarto com livros de Marx e Pepetela / Alimentado com parágrafos de Nélson Mandela / Foi esta a fonte do ódio que agora já não escondo / Este é o som que eu inalei na voz de Zeca Afonso / Ninguém me separa deste Guevara que eu tenho em mim / E podes ver na minha cara a raiva de Lenin / Eu choro este sangue que devora o espírito e choca os mais sensíveis, e torna-me num monstro como Estalin"
Valete é o Anti-Herói, acima de tudo resiliente, mas resiliente do quê? Da fome? Da guerra? Do crime? Da desigualdade? Não, resiliente do Capitalismo que direta ou indiretamente gera tudo isso. Ele é um que deixa de ser mais um para ser um a mais, e através dos seus versos tenta promover a mudança.

"Valete a.k.a Ciclone Underground, nigga o filho do bastardo da vossa opressão, nigga / Eu tenho nos meus olhos a cor da insurreição, nigga / Sou como Malcom-x com o microfone na mão / Eu desenterro vítimas de genocídio capitalista e levo mais comigo pra rebelião / Eu sou o primeiro a marchar pra esta revolução / Tu és o primeiro a vazar na hora da intervenção / Eu vim para ressuscitar Lumumba, Ghandi e Arafat e os nossos homens de combate através desta canção / Pai, eu tatuei no meu peito a Tua imagem pra respirar através dela a tua batalha e a tua coragem"

Com base em exemplos do passado, ainda vivos no presente, seu protesto ganha forças quando se utililiza das lutas que ocorreram em todo mundo, ser oprimido pelo capitalismo não é previlégio de alguns, é uma realidade de todos.

"Na Palestina, no Cambodja, Vietnã, Angola, no Iraque, na Somália, Afeganistão e Bósnia / Esse é o grito desse mundo que chora e implora pela justiça dos homens porque já viram que Deus não acorda / Vítimas de quem fez de todo o mundo seu património da hipocrisia assassina do FMI e da ONU / É o povo anónimo cobaia do liberalismo económico que sai das amarras eufórico para combater o demônio / Eu sou aquele que vocês chamaram de fundamentalista quando eu disse que era um trotskista belicista / Posicionei-me assim contra a América imperialista aqui está o vosso kamikaze terrorista / Farto de vos ver sentados, manipulados por uma televisão que vos deixa impávidos e formatados / Asnáticos inconformados, fechados e enganados otários e atrasados, inválidos e atordoados"

Realmente só se pode fazer isso uma vez como ele cita no começo da música e ele faz muito bem feito, a música é de uma perfeição imensurável, cruel aos ouvidos dos conservadores e um vasto campo de luz aos olhos dos incorfomados, é um tiro no escuro que não erra o alvo, é um grito que ecoado desperta e convoca mais soldados para a guerra.

Segue o link para a música e video clipe, realmente algo que deve ser visto e apreciado.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Rabo de saia - Gabriel o Pensador / 08 de Março.


Saudações a todos e a todas, estamos na semana "Internacional da Mulher" e segunda-feira 08 de março foi o seu dia "oficial", coloco entre aspas, pois pra mim todo dia é dia da Mulher. Há tempos não apareço por aqui, nem sei se alguém lê, sinceramente seria bacana, mas se ninguém lê também não tem problema, escrevo primeiramente pra exteriorizar o que eu sinto, o que vem a seguir é consequência, mas vamos ao que interessa.

O problema da Mulher é um problema social, logo deve ser encarado por todos e todas da sociedade. Hoje a reflexão que faço é sobre " um processo educacional que supervaloriza o sexo, mas se você for fêmea tem que reprimir ou vai levar má fama (joga pedra na Geni!)" e para abordar essa questão o nosso objeto referencial será a música "Rabo de saia" do rapper Gabriel o Pensador, lembre-se:  a discussão é sobre a supervalorização do sexo e sobre a Mulher nesse processo e não se o Gabriel o Pensador é rapper ou não, mas só deixando o meu ponto de vista, pra mim é rapper sim.

É certo que o dia 08 de março precisa ser encarado bem mais do que uma data festiva, é um marco histórico onde precisamos refletir sobre os avanços da lutas das Mulheres e sobre o que ainda precisa melhorar , pois a luta não para, eu ainda vejo casos de violência contra a Mulher, eu ainda vejo a Mulher ganhando menos mesmo exercendo a mesma função do que o homem, as Mulheres não ocupam nem 25% das cadeiras políticas (legislativo e executivo nas 03 esferas, municipal, estadual e federal), mas quer saber mesmo onde eu vejo as Mulheres se destacando? É na mídia, e de certa forma sempre expondo o seu corpo, penso eu que não é somente esse espaço de destaque que elas querem assumir, mas vamos a música!

A música "Rabo de saia" faz parte do segundo cd do rapper Gabriel o Pensador intitulado "Ainda é só o começo" que foi lançado em 1995. Como eu já disse a música trata da supervalorização do sexo e dos papéis de gênero atribuido na nossa sociedade, dentro dessa perspectiva e através da música vamos tentar entender um pouco como é que fica as Mulheres nessa história.

Vivemos numa sociedade cujo modelo patriarcal e machista ainda predomina e a música "Rabo de saia" nos remete isso, vai nos mostrar muito bem qual é o papel que o homem deve exercer "Quando nascemos fomos programados pra conquistar muitas mulheres se quisermos ser considerados homens com H, homem de bem, um cabra macho, macho, macho man. Existem vários rótulos, chame como quiser, Mas o caso é que os moleques são treinados pra caçar mulher", ou seja, enquanto o exercício da sexualidade do homem precisa ser algo explícito o da mulher não, tem que ser algo reprimido, controlado.

"Mesmo assim você passa por um processo educacional que supervaloriza o sexo, mas se você for fêmea tem que reprimir, ou vai levar má fama (joga pedra na Geni!). Desde pequeno você recebe as influências, o que é um exemplo pros meninos, pras meninas é uma indecência, todo pai quer que seu filho seja um... (Pensador?) Não um... (Cavalheiro?) Não um... comedor! Um Don Juan, rei da cocada preta (Ah, é pra comer cocada pai?)...(Não filhão, é pra comer...)...(Paiê, como é que a barriga da gente cresce?)...(Minha filha agora não, vai brincar de boneca e esquece e você filhão, vai brincar de médico lá na vizinha), é assim que o cidadão aprende a ser galinha, chamar as donzelas de cadelas, olhar as bundas na praia, correr feito um cão abanando o rabo por um rabo de saia"

Para o filósofo Michel Foucault "o corpo controla a sexualidade e a partir disso a sexualidade controla o corpo", partindo dessa premissa precisamos entender quais são as instituições que direta ou indiretamente nos educam, podemos então listar algumas: A família, os amigos, a escola, a mídia e principalmente a religião (é claro que pode existir outras instituições), são por meio destas instituições que formamos o nosso conjunto de valores que vão direcionar nossas ações. Quando pensamos na educação de homens e Mulheres por meio dessas instituições notamos diferenças nesse processo. O homem de acordo com a música recebe uma educação menos rígida, é mais permissível para o homem o seu exercício da sexualidade, para a Mulher não. A mulher é tratada como o objeto sexual a ser consquistado, mas ela não pode se dar ao luxo de ser esse objeto. A Mulher precisa casar virgem, já o homem precisa perder sua virgindade o mais cedo possível. A Mulher só pode ficar com um, caso fique com mais é "galinha", já o homem precisa ficar com várias, pois precisa ser o garanhão, a Mulher aprende desde cedo a ser dona de casa (sempre recebe uma boneca, está sendo preparada para o lar), já o homem não pode nem pensar em brincar de boneca.

"Aprendi a ver as mulheres como um objeto de desejo, Um sonho de consumo! Nesse imenso shopping center um bom par de pernas Deixa agente feito "Capitão Caverna!" Um primata!"

"Mas não me chamem de mal comportado gente! Eu me comporto exatamente de acordo com o modelo existente para o homem do mundo atual, não sou nenhum tarado, nenhum maníaco sexual"

Vivemos uma contradição, os papéis de gêneros não são iguais e talvez nunca serão, mas precisamos lutar para garantir a equidade e igualdade de gênero. Se de um lado temos o homem enquanto caçador e a Mulher como a caça precisamos garantir que a Mulher também tenha o direito de caçar. Não estou fazendo apologia a liberdade sexual e que todos/as possam sair por ai transando, estou trazendo a questão de que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos precisam ser garantidos e que as Mulheres possam sair da subalternidade e viver sua sexualidade de forma plena, livre de qualquer discriminação e punição.

 A ideia de fazer essa reflexão é dizer que ainda há várias questões que precisamos avançar quando se trata da igualdade entre homens e Mulheres. De forma muito condutente e "engraçada" o rapper Gabriel o Pensador aborda as questões de gênero e de sexualidade que muitas vezes são ignoradas pela sociedade, pensar que a luta da Mulher se dá somente no campo do combate a violência ou da luta por melhores condições de trabalho é um equívoco, há também outras lutas e hoje abordamos uma dessas muitas outras lutas.

Desejo a todas as Mulheres tudo de positivo e força, muita força para continuar lutando! Eu acredito que todos os homens também devem se unir para que possamos transformar a sociedade, precisamos avançar e é necessário que todos e todas participem desse processo. 

Segue o link com o video clipe da música rabo de saia, quem nunca viu ou ouviu vale a pena conferir.
Rabo de Saia - Video Clipe

sábado, 28 de novembro de 2009

"Periafricania/Brasileiroz" - Frente 03 de Fevereiro e Gaspar



A vida segue e eu também. Hoje vou falar um pouco desse clássico da música popular brasileira. Periafricania ou Brasileiroz foi criada pelo rapper Gaspar do grupo Z'africa Brasil especialmente para o fantástico documentário Zumbi Somos Nós , organizado pelo coletivo Frente 03 de Fevereiro. Caros , sem a menor sombra de dúvida  essa música pra mim é o maior hino de luta do povo brasileiro.


"Não tenha medo em dizer que tu é preto / Não tenha espanto em dizer que tu é branco / Não seja omisso em dizer que tu é índio / Nos toca-discos corre sangue nordestino / "Antigamente quilombos, hoje periferia / O esquadrão zumbizando as origens, “z’africania” / Somos filhos de uma terra sagrada / Qualquer periferia, qualquer quebrada é um pedaço d’África"


Na música "é nóis" do 509-E um dos integrantes do RZO diz que o R.A.P bate forte como o boxe. Que o R.A.P bate forte eu não tenho dúvida, mas nessa música só os primeiros versos acima leva qualquer um à nocaute, é como se fosse um cruzado de direita na mente de cada cidadão brasileiro.


O Brasil em suma é uma extensão da África que ao longo da história foi criando vida própria, mas que a elite sempre fez questão de varrer pra de baixo do tapete qualquer influência que não fosse européia. Quem nunca ouviu: "Aboliu a escravidão e o negro sem condição foi da senzala direto pra favela", a música escancara essa realidade, mostra todo o descaso pós-abolição e um pouco da luta e a influência  de um dos primeiros revolucionários do Brasil, Zumbi dos Palmares, que ao lutar por liberdade lutava também pela educação, saúde, contra a pobreza, igualdade, por uma vida digna com plenitude de direitos.


A música é tão impactante que trancende o vasto universo chamado Brasil e aflora no universo América, no universo África.  


"A senzala do passado se perdeu na escuridão / Com ela a dor do extermínio e da escravidão / Quiloas, Bantos, Monjolos, Cabinda, Mina, Angola, Brasil, Cuba, Ruanda, Haiti, Jamaica, Etiópia / Conquistas, glórias, derrotas, vitórias / De tantas batalhas traçadas, misturando raças com as marcas da velha África"


Ela nos grita toda influência e ação negativa executada por aqueles que colocaram não apenas uma nação, mas a vida de seres humanos na condição de submissão em prol de interesses próprios, transformando a dignidade da pessoa humana em algo inexistente. A música reflete a eficácia da segregação e da dor criada pelos colonizadores, mostra também a sua ineficácia em reparar as mazelas sociais e promover melhores condições.


"Eu quero ouvir os tambores, as vozes, os rumores / No paredão, o som regando a paz / A Trindade Solano amores / Tirei do Cartola. Lenineei as poesias. Saquei um Garrincha / E da luz de Luiz, fiz a Melodia / A fusão, a toada de uma raça libertária / Sou Haile Selassie é ou não é djamba sagrada / Sou Mumia Abu Jamal, destruindo as celas / Sou James Brown, Berimbrown, Nino Brown. Sou da favela. / Sou Kingston. Chamo Capão. Sou marrusso / Sou sucupira, balanço lundu. Sou jongo, sou 1 da Sul / E nos antigos mistérios da quilombologia, toda quebrada é quebrada na grande periafricania"
 

O mano Gaspar tem a sensibilidade de mostrar o desenvolvimento, a multiplicação e evolução do líder Zumbi, que ao longo dos anos foi se propagando na consciência de muitos revolucionários negros e não negros, e entenda revolucionário todo aquele ou toda aquela que através de qualquer ação tenta transformar sua realidade, seja com a música, a poesia , o esporte ou qualquer outra ferramenta.


O mano ainda se supera na forma em que canta e que encanta, na denúncia poética, em cada rima e em cada verso que versa. Essa obra prima da música popular brasileira se faz perfeita no contexto em que é empregada pelo documentário Zumbi Somos Nós, mostra a essência de Zumbi, a resistência, a coragem e luta dos aquilombados em defender sua quebrada em pleno o século XXI, o prédio Prestes Maia que é apenas um pedaço  D' África.


Eu acho que o link para a obra da qual eu faço a "suposta interpretação" deveria vir no começo do post, mas fazer o que né? Quem nunca ouviu a música pode acessar o site http://www.frente3defevereiro.com.br/ e ir no item disco ou clicar nesse link -> Periafricania (Zumbi Somos Nós)e acompanhar o trecho original extraído do documentário. Aconselho primeiro ver o video no youtube e depois a se embriagar de arte no site da Frente 03 de Fevereiro.




quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Vai Ser Rimando - Emicida


Quando ousei deixar de lado foi que errei. A ideia só fez ganhar mais força e martelou minha preguiça até ela sucumbir, agora, volto aquilo que comecei e pelo começo. A ideia de criar esse blog surgiu ao ouvir essa música do Emicida e será sobre tal a interpretação de hoje, pois das músicas que tenho ouvido atualmente essa sem questionamentos é umas das que mais me emociona.


"A rua é nois mais do que um erro de gramática, é a frase que sintetiza a brisa do sujo na pratica
a última esperança de quem não crê em mais nada vaga sozinho como itogami na beira da estrada"



Eu não tenho outra certeza se não a que reflete essa música. Esse ritmo e poesia  é um grito de protesto, um grito de dor, um grito de afeto. Afeto pelo Hip Hop, afeto pelo Rap, afeto pelas Rimas. Tudo isso de certa forma salvou Leandro Roque de Oliveira, o Emicida. Quando se vive em um país que nega  as oportunidades para seu povo de maior vulnerabilidade social é certamente mais difícil lutar por melhores condições de vida, mas mesmo não crendo em mais nada a esperança traduzida em Rap tranformou Leandro em Emicida , que pelos duelos da vida transformou um esdrúxulo jargão em poesia. "A rua é nóis" realmente transcede o erro. Vai além da licença poética. É o sujo, o imundo do mundo buscando a pureza de denunciar aquilo que já está posto e que sem opção, mas que com a nossa omissão ao longo do tempo também ajudamos a sujar. É o desabafo daquele que chegou hoje, mas que já está na estrada desde que nasceu, pois a luta pela sobrevivência é a nossa primeira luta e foi a dele também, e ainda é.


A música transita entre um desabafo pessoal daquele que prova que é mais do que um rimador de duelos e entre aquele que não precisa provar nada, porque já sabe que é um rapper, um sujeito político, um sujeito ativo, um sujeito transformador. Ele critica aqueles que o criticam, mas vai além. Ele critica aqueles que se acomodaram. Um bom exemplo que sintetiza a música nada mais é do que um professor recém formado que sem vícios, destemido, sem desculpas e mesmo com um sistema educacional falido não desiste e luta contra tudo e todos para ensinar e nesse caso o Emicida é o professor. Professor não, guerreiro e que mesmo com a guerra parecendo perdida não desiste de lutar.


O sujo se transforma em utópico, mas sem tirar os seus pés do chão, ele voa, mas não perde a noção do real, pois tem a noção da força da mudança que ele tem dentro de si e do que ele pode promover. Ele grita sua vida, mantém a criatividade das rimas, porém com uma objetividade que incomoda e que faz refletir.


Antes do Rap veio as Rimas para Leandro, mas essas só encontraram sentindo ao se juntarem com o Rap e ai amig@ ouso dizer que despertou o Emicida.


Se você ainda não ouviu então ouça esse som. E se você já ouviu ouça de novo. O link postado abaixo é da versão ao vivo que eu gosto mais, é que nela tenho a impressão que o Emicida se permite ir além.